O bioma Amazônico é caracterizado pela presença de água, com um dos mais altos regimes pluviométricos do mundo. Quatro dos dez maiores rios do planeta, os rios Amazonas, Madeira, Negro e Japurá drenam a bacia Amazônica (Latrubesse 2008). Cerca de 30% da área da bacia Amazônica são classificáveis como áreas úmidas, com inundação episódica, periódica ou permanente (Junk et al. 2011, 2013). Além das suas múltiplas funções ecológicas e econômicas, as áreas úmidas Amazônicas têm um papel fundamental na evolução e manutenção da biodiversidade da região, favorecendo particularmente a especiação e diversificação da flora e fauna (Silva et al. 2005, Hoorn et al. 2010, Wittmann et al. 2013). Por outro lado, por serem caracterizadas por muitas espécies altamente adaptadas a inundação e espécies endêmicas, as áreas úmidas são consideradas extremamente sensíveis às mudanças climáticas. Somente durante a última década, a Amazônia Central sofreu, desde o início das medições (1902) do nível dos rios Negro/Amazonas em Manaus, duas secas severas em 2005 e 2010, e as duas cheias recordes, em 2009 e 2012 (Piedade et al. 2013). Um pulso de inundação com frequências e magnitudes elevadas significará uma migração da maioria das espécies herbáceas e arbóreas das áreas alagáveis para sítios topograficamente mais baixos, ou mais altos, e poderá implicar em significativas perdas de diversidade, principalmente perto das bordas de vegetação, onde as inundações são extremamente altas, ou, no outro extremo, na transição das áreas alagáveis para as terras firmes adjacentes. Contudo, ainda desconhecemos a magnitude da perda de espécies e não sabemos como as mudanças na vegetação irão influenciar os estoques e a dinâmica de carbono. Diante deste cenário, projetos de longa duração para o monitoramento das importantes variáveis ambientais e da vegetação alagável são primordiais. É de fundamental interesse ecológico e econômico saber como as espécies fanerógamas das áreas úmidas Amazônicas, pouco estudadas e muito importantes, reagem às mudanças climáticas, com respeito à estrutura populacional, distribuição de espécies, crescimento e dinâmica de carbono. Como a vegetação é a base alimentar para a fauna residente ou associada às áreas úmidas, essas informações são também fundamentais para o desenvolvimento de estudos com animais.
Nesse contexto, os objetivos centrais do PELD MAUA em um primeiro momento são:
1.Descrever a distribuição e diversidade de árvores, arbustos e herbáceas nos sítios de pesquisa;
2.Monitorar a vegetação lenhosa e herbácea nos sítios incluindo mortalidade, crescimento e recrutamento;
3.Monitorar a regeneração arbórea e o estabelecimento de herbáceas nos sítios;
4.Estimar os estoques de carbono da vegetação arbórea dos sítios;
5.Modelar a distribuição e produtividade de espécies-chave do igapó e campina frente as mudança no ciclo hidrológico;
6.Divulgar os resultados do projeto por meio do repositório de dados e demais publicações, para diferentes públicos, contribuindo com a conservação das áreas úmidas e preservação dos recursos naturais nelas encontrados.
Instalação de parcelas de vegetação nos sítios 1 e 2 (Em andamento)
Em cada sítio foi escolhida a vegetação fanerógama estabelecida em três níveis de intensidade de inundação ao longo do gradiente topográfico: (1) altamente inundado, (2) com inundação intermediária, e (3) com baixa inundação, na transição à áreas não alagáveis adjacentes. Cada sistema consiste de duas réplicas, totalizando três áreas de estudo por sistema (nove áreas de estudo por sítio ou unidade de conservação). Os sistemas foram selecionados ou estão em processo de seleção, a partir da medição e monitoramento dos fatores ambientais. Em cada área de estudo são estabelecidos inventários agrupados (“nested plots”) para levantamento e monitoramento da vegetação incluindo mortalidade, recrutamento e crescimento. Cada área de estudo possui uma parcela permanente para estudo da vegetação nos moldes do esquema abaixo (Figura 1). Parcelas adicionais serão acrescentadas à medida que o PELD MAUA for se consolidando.
Figura 1: Desenho amostral das parcelas para o inventário e monitoramento da vegetação. P1=Parcela de 1 ha para o levantamento da vegetação lenhosa ≥ 10 cm DAP, dividida em 16 parcelas quadradas de 625 m2 cada (P2). Entre essas, oito parcelas P2 são escolhidas para instalar três parcelas P3 de 25 m2 para o levantamento da vegetação lenhosa ≤ 10 cm DAP e ≥ 1 m de altura. Em cada parcela P3, três parcelas P4 de 1 m2 são estabelecidas para o levantamento da vegetação herbácea.
Nas áreas alagáveis, grande parte da vegetação herbácea encontra-se em áreas não-florestadas. Por este motivo, além do estabelecimento das parcelas florestais, parcelas da vegetação herbácea são adicionalmente estabelecidas. Estas parcelas seguem o desenho das parcelas florestais, ao longo do gradiente de inundação: (1) altamente inundado, (2) com inundação intermediária, e (3) com baixa inundação, na transição a áreas não-alagáveis adjacentes. Cada sistema consistirá de duas réplicas, totalizando três áreas de estudo por sistema (nove áreas de estudo por sítio ou unidade de conservação). Os sistemas também serão selecionados a partir da medição e monitoramento dos fatores ambientais.
Referências:
Hoorn, C., Wesselingh, F. P., Hovikoski, J., Guerrero, J. (2010) The development of the Amazonian mega-wetland (Miocene; Brazil, Colombia, Peru, Bolivia). In: Hoorn, C., Wesselingh. F. P. (Eds.). Amazonia, Landscape and Species Evolution: Look into the Past, Wiley-Blackwell, Oxford, p. 123–143.
Junk, W. J., Piedade, M. T. F., Schöngart, J., Cohn-Haft, M., Adeney M., Wittmann, F. (2011) A classification of major Amazonian wetlands. Wetlands 31(4), 623–640.
Junk, W. J., Piedade, M. T. F., Lourival, R., Wittmann, F. Kandus, P., Lacerda, L. D., Bozelli, R. L., Esteves, F. A., Nunes da Cunha, C., Maltchik, L., Schöngart, J., Schaeffer-Novelli, Y., Agostinho, A. A. (2013) Brazilian wetlands: their definition, delineation, and classification for research, sustainable management, and protection. Aquatic Conservation: Marine and Freshwater Ecosystems (doi: 10.1002/aqc.2386)
Piedade M. T. F., Schöngart J., Wittmann F., Parolin P., Junk W. J. (2013) Impactos ecológicos da inundação e seca na vegetação das áreas alagáveis amazônicas In: Nobre, C. A., Borma, L. S. (Eds.). Eventos climáticos extremos na Amazônia: causas e conseqüências. Oficina de Textos, São Paulo, p. 268–304.
Silva J. M. C., Rylands, A. B., Fonseca, G. A. B. (2005) O destino das áreas de endemismo na Amazônia. Megadiversidade 1: 124–131
Wittmann, F., Householder, E., Piedade, M. T. F., Assis, R. L., Schöngart, J., Parolin, P. & Junk, W. J. (2013) Habitat specifity, endemism and the neotropical distribution of Amazonian white-water floodplain trees. Ecography 36: 690–707.